Overview: Terceirização da Culpa
Chegamos ao final de 2020. Provavelmente, o ano mais difícil da história da nossa geração. A pandemia da Covid-19 trouxe enormes desafios para todos nós e nossas empresas. Como atividade essencial, a segurança privada teve de se adaptar ainda mais rápido, na verdade, de forma instantânea. Como das vezes em que nos foram impostos grandes desafios, correspondemos à altura. Outras atividades essenciais, que dependiam da segurança privada para funcionar, não
ficaram um dia, sequer, sem atender à população.
Quando caminhávamos para o final deste ano com o surgimento de uma luz no horizonte, com a aprovação de vacinas e o início da imunização em alguns países, fomos atingidos fortemente pela tragédia ocorrida em uma unidade da rede de supermercados Carrefour, em Porto Alegre-RS. Como em 99,9% de casos semelhantes, os fatos se devem a indivíduos que se transvestem de seguranças e agem de maneira totalmente errada e sem cumprir orientações e ensinamentos dos cursos de formação de vigilância e segurança.
Os dois indivíduos envolvidos nas agressões, que levaram à morte de João Alberto, não estavam aptos a exercer a função de segurança privada naquele momento, não tinham habilitação para exercer a atividade, assim como um deles, um policial militar que fazia “bico”. Em meio à comoção, os olhos de todos se voltaram para o nosso segmento de segurança privada. Por falta de conhecimento ou pela ânsia de noticiar primeiro que os concorrentes, muitas matérias jornalísticas começaram a nivelar todas as empresas e vigilantes por baixo, como se todos fôssemos irresponsáveis e assassinos.
O que se percebeu em todo esse episódio é uma iniciativa explícita de terceirização da culpa para todo o segmento de segurança privada, iniciativa que ficou evidenciada com a decisão do Carrefour de dar início ao processo de internalização da segurança das lojas no Brasil, sem mostrar evidências de como fará e se fará da forma correta, visto que nos colocamos à disposição para auxiliar e orientar, mas não fomos sequer respondidos em nosso ofício 126/2020, de 24 de novembro.
Ao tomar essa atitude, o supermercado passa a mensagem que os responsáveis são apenas as empresas contratadas e os indivíduos envolvidos na morte. Busca se eximir da responsabilidade pela contratação, que tem grandes chances de ter sido focada apenas em preço, sem considerar que um valor muito abaixo do mercado, provavelmente, acarretaria em uma contratação irregular ou até mesmo de serviços clandestinos, uma prática comum entre vários contratantes no Brasil, cuja única atitude durante as negociações é contratar preço e não serviços legais ou seguros para buscar de fato a proteção das vidas dos clientes, colaboradores e de seu patrimônio.
O pior de tudo é que situações como a de Porto Alegre poderiam ser evitadas. Não é de hoje que empresas, trabalhadores e Polícia Federal alertam para a urgência da aprovação do Estatuto da Segurança Privada, que tramita há 10 anos no Congresso Nacional. E que, há 4 anos, aguarda por uma última análise do Senado. Sem a nova Lei, o risco de novas tragédias é sempre alto. É um convite tentador à expansão da segurança clandestina.
Quero terminar falando algo que tenho repetido à exaustão nos últimos dias: é desrespeitosa e sem fundamento a iniciativa de atribuir a todo o segmento a culpa por um episódio específico, uma exceção, praticado por profissionais irregulares e por um contratante que não teve responsabilidade na contratação. As cenas registradas no brutal e injustificável ataque não representa a segurança privada nem o modo profissional com o qual a atividade atua em todo o Brasil.
Que em 2021 possamos virar a página de todos os desafios que nos foram apresentados nos últimos 12 meses, um ano em que continuaremos lutando pelo nosso setor, com ética e união.
Jeferson Nazário (Presidente da Fenavist)